quarta-feira, 25 de abril de 2012

Crônica I

Produção de Marcelo
Fim de semana 
Gilson abriu os olhos lentamente, como se pesassem, e consultou o relógio na cabeceira da cama. Levantou-se num pulo, pois estava atrasado. Foi ao banheiro, escovou os dentes e, enquanto lavava o rosto, ouviu a campainha tocar. É claro que era seu amigo, cuja virtude maior não era a paciência e  certamente encrencaria com ele por estar atrasado de novo. Enxugou-se apressadamente e correu até a porta. Um choque percorreu seu corpo, como se um tiro o acertara. Ali estava um homem caído, inerte, com o rosto virado para o chão. Olhou em redor e não viu mais ninguém. Abaixou-se relutantemente e encostou a mão nas costas do homem caído, já estava em estado cadavérico, muito gelado. Não, aquilo não estava acontecendo com ele! Gilson correu para o telefone e tremulamente discou o número da polícia. O telefone só dava sinal de linha e, ao discar, não emitia som de discar. Tentou mais uma vez. Transtornado, não entendia por que não conseguia ligar. Pensou então que alguém havia feito aquilo propositadamente. Além de depositarem um corpo em sua porta, haviam cortado a linha! Alguém estava tentando incriminá-lo. Por quê? Foi quando ouviu a sirene da polícia vindo ao longe. Meu Deus, e agora? Alguém havia ligado para a polícia. Como iria explicar isso? Andou de um lado para outro sem saber o que fazer. Seria melhor fugir?  Freadas de carros ecoaram na rua e ouviram-se batidas de portas. Num instante estavam tocando a campainha sem parar. Sentindo-se acuado, Gilson foi recuando e sentou-se no sofá, sem ação. Encolheu-se como um bebê, indefeso. Um estrondo enorme ecoou pela sala. Um policial pôs abaixo a porta com um chute e vários policiais adentraram a sala portando fuzis nas mãos. Enquanto um dava cobertura, um deles adentrou a cozinha, sumindo pelos fundos da casa, e dois deles passaram rente ao sofá onde Gilson estava e subiram os degraus em direção aos quartos que ficavam no piso superior. Gilson ficou confuso com a ação daqueles homens, que o ignoraram completamente, como se não estivesse ali. Permaneceu estático no sofá, apavorado, tentando entender o porquê aqueles policiais haviam invadido de forma tão violenta sua casa. Um dos policiais que havia subido chamou os demais. Demoraram lá em cima, e depois um a um foi descendo. Gilson decidiu não mais esperar. Dirigiu-se a um dos policiais e falou com ele. O policial não lhe deu a mínima. Uma revolta o sobreveio. Como eles poderiam ignorá-lo? Esbravejou que era ele o dono da casa. Mas ninguém o escutava. Os policiais saíram. Depois um deles voltou com uma fita e começou a isolar a frente da casa. Gilson sentiu uma tristeza como nunca havia sentido antes. Olhando para o corpo estirado em sua porta, pensou por que as coisas mudam tão de repente. Ele e seu amigo haviam marcado para assistir uma apresentação de dança no Municipal. Por que as coisas não poderiam acontecer conforme planejado?  Por que um domingo de sol não podia ser igual a tantos outros? Gilson olhou para o andar de cima e decidiu descobrir de uma vez por todas o que estava acontecendo. Subindo os degraus, viu o corredor com seus pertences e gavetas jogadas pelo chão. Canalhas! - pensou. Que bagunça fizeram em minha casa! A situação no quarto era ainda pior. As camisas do guarda roupa e seus paletós espalhados, o seu cofre aberto, ali jogado, como se não tivesse dono. Correu os olhos pelo quarto e se deparou com uma visão estranha. Parecia que alguém estava deitado em sua cama, coberto por um lençol. Receoso, foi pé ante pé até a beira da cama. Vagarosamente alcançou o lençol e o puxou. Não pôde acreditar no que viu. Ali estava ele! Ele! Rijo, pálido e sem vida! Correu desesperado, gritando como um louco pela casa abaixo e se ajoelhou junto do cadáver em sua porta. Debruçou-se sobre o corpo e, como se um relâmpago o partisse em dois, pôde perceber o rosto do amigo, com os olhos fixos, e um filete de sangue coalhado escorrendo de sua boca.

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